terça-feira, julho 17, 2007

O meu pai

(meu irmão mais velho e o meu pai, num dos seus raros momentos de lazer. Ambos já partiram)

O meu pai, se vivo fosse, faria hoje 82 anos.
Tenho pensado nele o dia inteiro. Acho que este ano sinto mais essa data por causa da morte do Sr. Menezes Falcão. Eram da mesma geração.
Já ontem pensava nele. É que, no tempo em que o meu pai nasceu, os registos não eram muito claros a respeito de datas. Já ouvi dizer que teria nascido a 16 de Julho, a 18…
Não interessa.
É engraçado ver como o tempo, ao invés de apagar, torna mais vivas as lembranças. Não há um só dia na minha vida em que não lembre de algo relacionado ao meu pai ou a minha mãe. Ora são pequenos gestos, ora decisões, ora momentos…
Nunca fui muito próxima do meu pai. Mas, não eram necessárias grandes demonstrações de afecto para sabermos o quanto nós nos queríamos bem.
Eu ainda não sabia ler e o meu pai comprava-me revistas da turma da Mónica e da Disney. Sempre. E eu adorava. Sabia as histórias todas, só de olhar os desenhos.
Lembro-me de estar na segunda série e, numa prova de redacção, escrever uma poesia. O facto chocou a minha professora, que levou a poesia à direcção. Escusado dizer que quase fiz xixi pelas pernas abaixo quando fui chamada à directoria. Isso nunca tinha acontecido antes. Fiquei apavorada. E quase desmaiei quando vi o que queriam. Fui praticamente interrogada sobre a autoria do poema. Porque uma miúda de oito anos nunca poderia ter escrito algo assim.
Fizeram uma anotação na minha prova. De louvor, de parabéns. Meu pai nunca me disse nada. Mas sei que ele e minha mãe guardavam aquela prova numa pasta de documentos, no armário, na sala da casa velha.

Acho que foi aí que decidi escrever.
Para horror (e orgulho disfarçado) do meu pai.
Horror porque ele vivia a dizer mal dos jornalistas e acabou por ter uma. Eu antes dizia que ia ser médica e ele enchia-me de livros sobre o corpo humano. O meu pai não acreditava em brinquedos e acho que se pedisse um… era capaz de dar, mas contrariado… acreditava em alimentação e educação. Ainda bem.
No final das contas, nunca me disse nada, mas tinha um orgulho danado da filha. Ou não fosse eu a única mulher no meio de quatro rapazes. Não… não é só por isso. Ele ficava inflado quando ouvia os outros a falarem bem do trabalho que a filha desempenhava. Acho que era tudo o que lhe importava.
Eu teria muito a escrever sobre o meu pai. O quanto ele ajudou as pessoas, o quanto ele era inteligente, honrado e muitas outras qualidades. Era severo, mas poucas foram as vezes em que o foi comigo. Tirando uma noite, inesquecível, em que esperou por mim à janela (já eu maior de idade, de carro e tudo o mais) e me desancou de cima a baixo. Acho que a frase “não estou a criar uma filha para ser vagabunda” ficou nos meus ouvidos dias e dias.

Ele dizia que não tinha medo da morte. Tinha receio sim, era de ficar inválido, de dar trabalho, sofrimento… não a ele… aos outros.
Fui a última pessoa a estar com ele naquele hospital. Lembro, até hoje, que o último olhar dele foi para aquela padaria, onde passou toda uma vida; lembro de fazer cócegas em seus pés para obter alguma reacção, naquele coma em que se encontrava há dias; lembro de falar ao seu ouvido que se ele quisesse partir, nós iríamos sentir a falta dele, mas iríamos entender, porque só queríamos o seu bem.
No dia seguinte ele partiu.
Seu rosto, no caixão, era de uma serenidade enorme. Arrisco-me até a dizer, de alegria.

Eu queria muito que o meu pai me visse hoje, e que sentisse de mim o mesmo orgulho que sentia quando eu era pequenina.
Um beijo, pai. Fica com Deus.

9 comentários:

Anónimo disse...

Olá filha!!
Que bela homenagem ao seu Pai...
É difícil colocar no papel aquilo que sentimos, mas você, o faz como ninguém...
Obrigada filha.
A você Basílio...Pai, marido, companheiro, querido por todos...eternas saudades.
Beijão.

Anónimo disse...

Adriana!!!
Nossa, quanto tempo menina!!! Nem acredito que é você. Vi um comentário seu no blog da Vanessa, pensei "será?" e vim parar aqui.
Pôxa, que alegria. Deixei recados na sua página do Orkut, como você está?
Muitas, muitas saudades da bagunça do povo do Fluminense.
E que post lindo sobre o seu pai... lembrei do meu (lembro sempre) e de como você me ajudou naquele dia tão difícil.
Fica bem e mande notícias.
Bjs bjs bjs

Anónimo disse...

Olá, Adriana!
Obrigado por apareceres por "terras de Adrão". Obrigado por me dizeres que és filha da Any e sobrinha do Eira Velha. Esta janela já nem sei se é virtual se é real. Não sei nada da tua vida por Portugal, mas espero que te sintas muito feliz por cá e que desempenhes o teu belo papel de jornalista. É? A partir de hoje farás parte da minha Caminhada virtual em que tudo não deixa de ser real e virtual ao mesmo tempo. Bela a homenagem ao teu pai. Espero que sejas feliz por esta terra lusa. Para não te perder, vou já colocar-te nos meus favoritos. Normalmente é o meu Quico que toma conta destas coisas. Se aparece por aqui, diz logo que és amiga dele, apesar das muitas desilusões que tem sofrido com as chamadas amigas da onça. Um beijinho para ti e muitas felicidades por cá. Vai aparecendo que eu também andarei por aqui.

Anónimo disse...

amigaaaaaaaaaa, nossa, vc realmente resolveu sustentar esse blog!! parabéns!!!!!!!!
eu como sempre conitnuo na duvida...de voltar ou não...faria um blog pessoal de mais, não sei escrever de outra forma.

seu pai e seu irmão...nossa, nem imagino as saudades que vc deve sentir....

Eira-Velha disse...

Muita saudade e emoção... é tudo que me ocorre.
Fazes bem esparramar neste espaço o que sentes e te vai na alma. Também eu preciso fazer o mesmo já que os interlocutores que desejamos não nos podem ouvir e, se ouvissem, talvez não tivéssemos coragem de dizer as coisas assim tão claras.
Um beijo

Unknown disse...

Olá amiga. Não sou muito bom a comentar este tipo de post mas a verdade é que gostei do que li, só isso.
ciao.

Anónimo disse...

Que lindo texto. Também perdi meu pai e me reconheci em algumas partes desse texto. É muito duro perder alguém que se ama. Parabéns, você escreve muito bem!
Bjos

xica disse...

Gostei muito desta tua partilha!

Anónimo disse...

Sinto que temos mais em comum do que simplesmente uma casa incompleta! [e tá, vc ganhou na onda da casa! ;-)]
Mas não esperava dividir as mesmas experiências como a perda do pai. Claro que muitos já perderam o pai, mas certas coisas que vc comentou nesse seu [lindo] post, também aconteceu comigo. Como por ex. a última pessoa a vê-lo...
Mas de uma coisa não tenha dúvida, seu pai, onde quer que esteje, tem muito orgulho de vc! Me atrevo ainda a dizer mais agora do que quando vc era simplesmente uma garotinha...
bjs,